quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sophie de Mello Breyner Andressen

Doug Heslep

Pudesse eu não ter laços nem limites,
Ó vida de mil faces transbordantes,
Pra poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes

Sophie de Mello Breyner

sábado, 7 de maio de 2011

Florbela Espanca

Barbarela

Sou chama e neve branca
misteriosa... E sou talvez, na noite
voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo
que procuras!

Florbela Espanca

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Beijo (Alexandre O'Neill)


Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo,
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de desejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

Alexandre O'Neill

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poema de António Botto

Almada Negreiros

Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?

Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?

Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?

- És tu, senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.

António Botto

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Amigos - Camilo Castelo Branco

Amigos cento e dez, e talvez mais,
eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
mais ditoso mortal entre os mortais.
Amigos cento e dez, tão serviçais,
tão zelosos das leis da cortesia,
que eu, já tanto de os ver, me escapulia
às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez, houve um somente
que não desfez os laços quase rotos.
- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver...
- Que cento e nove impávidos marotos!
Camilo Castelo Branco

quinta-feira, 24 de março de 2011

Prece - Miguel Torga

Senhor,
deito-me na cama
coberto de sofrimento,
e a todo o comprimento
sou sete palmos de lama:
sete palmos de excremento
da terra-mãe que me chama
Senhor,
ergo-me do fim
desta minha condição,
onde era sim, digo não,
onde era não digo sim;
mas não calo a voz do chão
que grita dentro de mim
Senhor,
acaba comigo
antes do dia marcado,
um golpe bem acertado,
o tiro de um inimigo...
qualquer pretexto tirado
dos sarcasmos que te digo
Miguel Torga

sábado, 5 de março de 2011

Alberto Caeiro

Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar
que me ensinaram,
E raspar a tinta que me pintaram
os sentidos,
Desencaixotar minhas emoções
verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu...